A LIBERDADE
RELIGIOSA
Estão em destaque na primeira página do MucuriVerdade duas notícias acerca da religião, melhor dizendo, acerca da liberdade religiosa. Uma relata o alto índice de reclamações junto ao Ministério Público contra o excesso de ruído produzido por igrejas e a outra descreve um caso concreto em que um dado templo foi condenado a tomar providências para diminuir a poluição sonora em relação a sua circunvizinhança. E por que este tema nos interessa? A questão da liberdade religiosa não é restrita aos problemas de poluição sonora. Verifica-se embates sobre a liberdade de culto também no ambiente de trabalho, por exemplo.
Pretende-se, então, demonstrar quão amplo é o direito fundamental à liberdade de religião, seu fundamento constitucional, sua forma de exercício e seus limites.
A liberdade religiosa simplesmente como liberdade de culto é uma definição reducionista que não retrata a verdadeira amplitude deste direito fundamental.
Em importante obra intitulada “Proteção Constitucional à Liberdade Religiosa”, editora Lumen Juris, Manoel Jorge e Silva Neto explica que a liberdade religiosa é tripartite, isto é, está calcada sobre três pilares, a saber: a liberdade de crença, a liberdade de culto e a liberdade de organização religiosa.
Estatuída no artigo 5º, VI, da Constituição Federal, a liberdade de crença é garantida nos seguintes termos: “é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e suas liturgias”.
Essa liberdade de crença possui feição positiva, isto é, o direito de crer ou de divulgar a crença. Também possui um prisma negativo, sob o qual a pessoa está assegurada de simplesmente não crer ou de expressar sua descrença, em que estão protegidos constitucionalmente também os agnósticos, ateus, céticos, etc.
De outro lado, tem-se a liberdade de culto, também assegurada no artigo 5º, VI, da Constituição Federal de 1988. Ela abrange tanto a liberdade de exercício de culto como de liturgias – seja para expressar crença ou descrença – o que se poderá fazer cantando, dançando, tocando instrumentos, meditando, etc.
Nenhum direito, contudo, é absoluto, e isso vale para a liberdade de culto, de modo que o seu exercício não poderá ofender outros direitos assegurados constitucionalmente. O sacrifício de animais, por exemplo, não é permitido em liturgias e cultos em nosso país porque proibido no artigo 64 da Lei de Contravenções Penais; ademais, ninguém está autorizado, sob o manto da liberdade de religião, a realizar as denominadas cirurgias espirituais, conduta esta tipificada como crime no artigo 248, II, do Código Penal, uma vez que apenas médicos tecnicamente preparados podem fazer intervenções cirúrgicas.
É também neste sentido que as igrejas não podem, a pretexto de exercer culto ou liturgia, violar o direito de descanso da circunvizinhança produzindo poluição sonora. Poderão, sim, utilizar-se de instrumentos musicais e cantoria, mas devem estruturar-se para tanto, seja construindo seu templo em local afastado ou revestindo-o de isolante sonoro. Outras limitações podem se verificar no caso concreto.
Finalmente, a liberdade de organização religiosa confere à pessoa, grupo ou coletividade o direito de criar segmento religioso. Apenas para exemplificar, sem que isso signifique preferência por um ou outro, constituem segmentos muito conhecidos o budismo, o cristianismo, o protestantismo, o candomblé, o espiritismo, entre outros.
A liberdade religiosa é, portanto, minuciosamente protegida na Constituição Federal do Brasil, em que pese ser este um país laico. O laicismo, aliás, é que garante tão ampla proteção à liberdade religiosa, pois, sendo laico, permite-se o direito de crer ou de não crer, de expressar sua crença ou sua descrença.
O tema é amplo e o espaço é limitado, mas não se poderia encerrar este texto sem tecer algumas considerações acerca da liberdade de religião e as relações de trabalho.
Verifica-se como política de contratação de algumas empresas a entrevista do pretenso empregado por meio de questionário no qual se indaga a sua religião. Com efeito, esta é uma prática não permitida constitucionalmente, uma vez que pode gerar discriminação por parte da empresa no momento da contratação em razão da crença ou descrença do candidato, de modo que é direito deste omitir informações acerca de sua religião.
Isso representaria lesão a interesses difusos, justificando a intervenção do Ministério Público do Trabalho por meio de ação civil pública.
No ambiente de trabalho não é raro que alguns empregados se sintam no direito de praticar proselitismo de seu segmento religioso na tentativa de persuadir colegas de trabalho a se converterem. É fato que a liberdade de religião garante a todos o direito de crer ou de não crer e de disseminar sua crença ou descrença, porém, nenhum direito é absoluto, e o local de trabalho não é apropriado para a prática de persuasão religiosa.
É que o proselitismo é normalmente seguido de intolerância por parte daquele que o pratica em relação aos colegas que deseja converter, o que poderia prejudicar o ambiente de trabalho e a produção da empresa.
Prática deste tipo dá ao empregador o direito de rescindir o contrato de trabalho por justa causa, face á incontinência absoluta, prevista no artigo 482 da CLT.
Para finalizar, mas ainda sem esgotar o tema, veja-se a situação em que o empregador convoca trabalhadores para participarem de culto, como costuma ocorrer em datas especiais, como festas de final de ano.
Assim como está o empregado obrigado a se abster de praticar proselitismo no ambiente de trabalho, a empresa deve se manter imparcial no que tange à religião. Os proprietários da empresa podem ter sua religião, mas não significa que a empresa tenha crença e muito menos que esta crença possa ser disseminada no ambiente de trabalho. Isso significa, por exemplo, que a empresa não pode manter em sua unidade um templo religioso de determinado segmento.
A empresa deve ser neutra e imparcial no que tange à religião, do contrário, sua conduta poderá dar justa causa à rescisão indireta do contrato de trabalho.
Luiz Carlos de Assis Jr.
Advogado