PEQUENA E PODEROSA (I)

Leia a seguinte frase tirada de uma atividade dada em sala de aula: “Irás voltarás nunca perecerá na guerra.” Dependendo da forma de pontuar, podemos atribuir-lhe diferentes significados. Antes de continuar lendo o artigo, faça a atividade. Pontue o período entre aspas de duas formas, obtendo distintos sentidos.
Você já percebeu que nosso assunto hoje é muito interessante, não? É... Vamos conversar sobre a “vírgula”. Sinal gráfico pequeno, mas capaz de mudar o significado de todo um enunciado. Veja: “Só, ela resolve tudo” e “Só ela resolve tudo”. Bem diferentes as duas frases, não é? A vírgula muda tudo. Na primeira frase “só” significa “sozinha”; na segunda, “apenas, somente”.
Por incrível que pareça, ainda há professores de português que ensinam a seus alunos que “vírgula é uma pausa para respirar”. Assim, toda vez que se respira, coloca-se vírgula. Fico imaginando um asmático escrevendo um texto. Seria uma vírgula atrás da outra. A vírgula é, antes de tudo, um instrumento sintático, ou seja, um elemento que está diretamente associado ao papel que um termo tem na estrutura da frase.
Não vamos complicar, que não é essa nossa função. Vamos direto ao assunto. Compare a frase “Paulo, nosso pai vendeu a bicicleta.” com “Paulo, nosso pai, vendeu a bicicleta.” Percebeu a diferença? Na primeira frase, “Paulo” é a pessoa chamada, a quem se dirige a palavra. Sintaticamente “Paulo” é “vocativo”. Vocativo vem do latim “vocare” (chamar), é o chamamento, que deve ser isolado pela vírgula, se vier no começo da frase; entre vírgulas, se vier no meio da frase; entre vírgula e ponto, se vier no final da frase. Vamos ver como ficaria a frase com o vocativo nas outras duas posições: “Nosso pai vendeu, Paulo, a bicicleta.” e “Nosso pai vendeu a bicicleta, Paulo. O vocativo é um termo independente: não faz parte do sujeito nem do predicado. Pode ser representado por substantivos, pronomes e numerais substantivos, ou ainda, por palavras substantivadas. Outros exemplos: “Meu amor, o que aconteceu?”; “Márcio, venha para casa!”; “Essa proposta é inaceitável, senhor Prefeito”.
Na célebre frase “Maria, sai da lata!”, “Maria” recebe um apelo. Sem a vírgula, “Maria” passaria a sujeito e efetivamente sairia da lata.
Voltando ao nosso “Paulo”, o que acontece na segunda frase (“Paulo, nosso pai, vendeu a bicicleta”)? Não se chama ninguém, ou seja, não existe mais vocativo. “Paulo” e “nosso pai” são a mesma pessoa. Paulo, que é nosso pai, vendeu a bicicleta. “Nosso pai” funciona como “aposto”. Aposto é um termo que amplia, explica, desenvolve ou resume o conteúdo de outro termo. O aposto vem imediatamente após ao termo que ele explica e deve ser virgulado. Outros exemplos: “Tiradentes, mártir da Inconfidência, morreu enforcado.”, “Rita, mãe de Márcio, é uma artesã admirável.”; “Neco, meu pai, fazia a melhor farinha de Nanuque.”
Há um tipo de aposto que não é virgulado. É chamado de aposto elucidativo. Exemplo: Rio Mucuri , O Primo Basílio, Rua Itambacuri, Praça dos Estudantes.
Vimos o uso da vírgula em apenas dois aspectos sintáticos. Continuaremos com o assunto no próximo número. Para encerrar, mais uma brincadeira. Pontue o seguinte trecho, com a liberdade de transformar minúsculas em maiúsculas, se necessário:
“Maria antes do banho sua mãe diz ela traga a toalha”.
Pode começar a quebrar a cabeça. As respostas para as duas propostas de atividades estarão no próximo exemplar do nosso Jornal. Até lá.

Pequena e poderosa (II)

E então? Resolveram o desafio? Pontuando o período de duas formas, iremos atribuir diferentes significados. Veja:

Irás, voltarás, nunca perecerás na guerra.

Nesse caso o sujeito irá à guerra e voltará dela. Continuará vivo.

Irás, voltarás nunca; perecerás na guerra.

Com essa pontuação, entendemos que o sujeito irá à guerra e lá morrerá. Não retornará vivo.

E o segundo caso “Maria antes do banho sua mãe diz ela traga a toalha”? Conseguiu resolver? Vamos lá: “Maria, antes do banho, sua. Mãe __ diz ela __, traga a toalha”. Gostou? Às vezes, não entendemos “sua”. Nesse caso é forma flexionada do verbo “suar”. Muita gente diz que “soa” quando o calor é intenso. “Soa” é do verbo “soar”, que significa “emitir ou produzir som”. Quando faz calor, as pessoas “suam”. No presente do indicativo, “eu suo, ele(a) sua, nós suamos, eles suam”. No pretérito perfeito do indicativo, “eu suei, ele(a) suou, nós suamos, eles suaram”.

Outra dúvida comum em relação à vírgula: devemos usá-la antes de “etc.”? Vamos primeiro definir “etc.”: abreviatura de “et cetera”, expressão latina que significa “e as demais coisas”. Porque a expressão contém o “e”, alguns gramáticos entendem que não se deve empregar a vírgula, como não se emprega antes de “e” nas enumerações:

“Gosto de bons livros, bons filmes, boas músicas e as demais coisas”;

“Gosto de bons livros, bons filmes, boas músicas etc.”

Outros gramáticos, todavia, entendem que se deve proceder como se o “etc.” fosse um elemento da enumeração:

“Gosto de bons livros, bons filmes, boas músicas, etc.” No guia ortográfico sempre aparece a vírgula antes de “etc.”. E agora? Razões há para ambos os lados.

Bom... Vamos falar de outros usos da vírgula que são menos questionáveis e mais simples, no interior das orações. A vírgula separa, na oração, expressões explicativas __ isto é, ou melhor, por exemplo, etc.

Ele consegue, por exemplo, tirar as melhores notas.

Isola a localidade de datas;

Nanuque, 13 de agosto de 2009.

conjunções no meio da oração;

Decidiu, porém, encarar os fatos.

elementos intercalados;

Todos os alunos, exceto os ausentes, fizeram o trabalho na escola.

elementos de uma sequência, de uma enumeração, com a mesma função sintática;

Comprei livros, revistas, jornais, etc.

O assunto não está finalizado. Aprender, aliás, é uma ação contínua e prazerosa. Devemos estar sempre atentos, buscando o conhecimento. Por isso procure estudar sempre, ler muito, pesquisar, dominar o conteúdo. Estamos, afinal, aperfeiçoando nossos estudos em relação à nossa própria língua. Tão bela é a Língua Portuguesa! Tenhamos, pois, a curiosidade e o desejo de aprendê-la.

Foi um prazer estar com vocês.